terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Tarrafal “CAMPO DA MORTE LENTA”

O campo do Tarrafal, inaugurado em Outubro de 1936, foi inspirado nos campos de concentração nazis. Os presos eram submetidos a um regime de morte lenta, por isso ficou conhecido como o «Campo da Morte Lenta». Os maus-tratos e a má alimentação, as doenças sem tratamento e o clima, nesta região de Cabo Verde, mataram 32 dos portugueses que para lá foram enviados. Entre os presos políticos enviados para o Tarrafal encontravam-se: Bento Gonçalves, Arnaldo Simões Januário, Casimiro Ferreira, António Oliveira e Silva, Francisco Miguel, entre outros.






Fig.1 – Bento Gonçalves




Fig. 2 – Arnaldo Simões Januário



Fig. 3 – Francisco Miguel

«TESTEMUNHOS», de Francisco Miguel


Na Achada Grande do Tarrafal

«Na Achada Grande do Tarrafal montou o governo fascista o campo de concentração. Na Achada Grande há pântanos, mosquitos e paludismo. A Achada Grande era a zona mais temida pela gente de Cabo Verde. Na ilha que o mar guardava melhor que o arame farpado e as armas dos carcereiros, o mosquito seria um executor discreto. Sem possibilidade de ferver a água inquinada, sem mosquiteiros, sem medicamentos, com má alimentação, trabalhos forçados, espancamentos, semanas na «frigideira», todas as resistências orgânicas se desmoronavam abrindo caminho fácil ao paludismo e às biliosas.»
«As mortes dos antifascistas no Tarrafal foram premeditadas. Tão claro era o objectivo que o director do Campo não o escondeu. Afirmou-o para que todos os presos soubessem a que estavam destinados:“Quem vem para o Tarrafal vem para morrer!”E muitos morreram e lá ficaram no cemitério que tão perto estava do Campo.»«A baía do Tarrafal, entre Julho e Novembro, quando o nordeste não sopra, é zona de paludismo. O mosquito anófele alimenta-se com sangue e é nos glóbulos vermelhos que se reproduz e se completa o ciclo evolutivo do plasmódio, causa do paludismo. O mosquito é o transmissor. Ali morreram dezenas de antifascistas, e muitos outros morreram prematuramente já depois de libertados, em consequência directa das violências e maus-tratos lá sofridos.»

A Frigideira


«A frigideira era uma caixa de cimento, construída perto do aquartelamento dos soldados angolanos. Tinha uma forma rectangular. O tecto era uma espessa placa de betão. Uma parede dividia-a interiormente em duas celas quase quadradas. Tinha cada uma delas a sua porta de ferro, perfurada em baixo com cinco orifícios onde mal se podia enfiar um dedo. Por cima, junto ao tecto, havia um postigo gradeado em forma de meia-lua com menos de cinquenta centímetros de largura por uns trinta de altura. Estava exposta ao sol de manhã à noite. Lá dentro era um forno. Aquela prisão merecia o nome que os presos lhe davam: a frigideira.»

«O sol batia na porta de ferro e o calor ia-se tornando sempre mais difícil de suportar. Íamos tirando a roupa, mas o suor corria incessantemente. A frigideira teria capacidade para dois ou três presos por cela. Chegámos a ser doze numa área de nove metros quadrados. A luz e o ar entravam com muita dificuldade pelos buracos na porta e em cima pela abertura junto ao tecto. Quatro passos eram o percurso de uma parede a outra. Dentro havia uma constante penumbra.»


O Poço do Chambão

«No Campo do Tarrafal, a água que nos estava destinada vinha de um poço, situado a uns setecentos metros. Ali se juntavam mulheres e crianças. Vinham de bem longe com as suas vasilhas. Carregavam-nas à cabeça e seguiam para suas casas. Era esta a água que bebíamos. Estava contaminada com excrementos de cabras e burros lazarentos que ali iam beber todos os dias. Pelo tempo das chuvas, raras mas torrenciais, as enxurradas que desabavam das montanhas arrastavam consigo burros, cães, aves mortas. O poço ficava no caminho das torrentes e com a sua água bebíamos também a outra, a das chuvadas que corriam para o oceano. Ficava o poço a uns duzentos metros do mar que se infiltrava e tornava integralmente salobra a água que bebíamos. Pelas marés vivas mais salgada era ainda.»

Pedro Venâncio